quinta-feira, 23 de novembro de 2023

A figueira-poema

 

A figueira

 

Senta-te aqui, eu conto, à minha beira:

A vila fica no alto do monte.

Uma estrada que escorre em ladeira

Levava ao vale, a uma fonte.

A cobri-la uma velha vide oferecia,

No verão,  cachos de uva gorda e mel

Que para as abelhas era ambrosia

E estas para o abelharuco um carrocel.

Pois, digo eu, ao pé do poço

Vivia há muito uma figueira, um mosteiro

Paracia-me ela a mim, menino e moço,

Um labritinto de grutas, mágico veleiro.

Por baixo me deitava, regalado e sonhador

Nas tardes ardentes da foz do Côa,

O paraíso era ali, e apenas naqueles instantes de amor,

Como o melro que encanta , sedutor, e depois voa.

 

Na igreja da vila a catequista abançoava a perfeição

Do mundo, que só um ser no céu poderia haver criado.

E nós, anjinhos, escutavamos com atenção

Pedindo que o inferno não nos nos houvesse calhado.

Ó Lucrécio, “Da natureza das Coisas”, li-te demasiado tarde!

Tantos horrores e sonhos maus pode-se-iam ter evitado!

 

A verdade estava ali, naquela figueira à mesma vez

Modesta e indiferente, como a maré que vai e vem,

Tal como a água e o mel que o sol fez,

Tal como o teu choro quando saíste do ventre da tua mãe!

 

----Nozes Pires-----17/07/2023