A figueira
Senta-te aqui, eu conto, à minha beira:
A vila fica no alto do monte.
Uma estrada que escorre em ladeira
Levava ao vale, a uma fonte.
A cobri-la uma velha vide oferecia,
No verão, cachos de uva gorda e mel
Que para as abelhas era ambrosia
E estas para o abelharuco um carrocel.
Pois, digo eu, ao pé do poço
Vivia há muito uma figueira, um mosteiro
Paracia-me ela a mim, menino e moço,
Um labritinto de grutas, mágico veleiro.
Por baixo me deitava, regalado e sonhador
Nas tardes ardentes da foz do Côa,
O paraíso era ali, e apenas naqueles instantes de amor,
Como o melro que encanta , sedutor, e depois voa.
Na igreja da vila a catequista abançoava a perfeição
Do mundo, que só um ser no céu poderia haver criado.
E nós, anjinhos, escutavamos com atenção
Pedindo que o inferno não nos nos houvesse calhado.
Ó Lucrécio, “Da natureza das Coisas”, li-te demasiado tarde!
Tantos horrores e sonhos maus pode-se-iam ter evitado!
A verdade estava ali, naquela figueira à mesma vez
Modesta e indiferente, como a maré que vai e vem,
Tal como a água e o mel que o sol fez,
Tal como o teu choro quando saíste do ventre da tua mãe!
----Nozes Pires-----17/07/2023