A paixão amorosa obedece a um discurso retórico comum, senão até universal; é repetitivo e emerge do desejo sexual e de posse. O que surpreende é a sua sinceridade, apesar do padrão linguístico e comunicacional comum.
Acredito na compaixão como um sentimento comum e natural. Sentimos compaixão porque não nos queremos encontrar em idêntica situação. Sentimos uma compaixão ainda mais sincera quando não queremos que um familiar ou amigo se encontrem nessa situação.
Tanto o egoísmo como o altruísmo radicam numa determinada natureza humana- bio social- em parte inscrita na espécie, noutra parte socialmente aprendida, recebendo e dando forma a um padrão singular de cada indivíduo: uns são mais naturalmente altruístas do que outros. Tenho como certo que o desenvolvimento tanto de um como do outro comportamento depende da estimulação social. A gratificação que recebemos com um ou com o outro comportamento é que decide em última instância. Se a comunidade não castiga o egoísmo, antes pelo contrário, seremos impunemente egoístas.
A decisão de uma vida em comum prolongada (a priori para toda a vida) manifesta a evolução da Espécie relativamente aos símios e parentes ancestrais. Novo progresso se verificou quando, muitíssimo mais tarde, o interesse económico ou exclusivamente reprodutivo deixaram de predominar. Surpreende que o divórcio seja uma conquista civilizacional tão recente. Uma boa parte desta evolução deve-se à difusão do romantismo: porém, a condição de fundo prende-se com as novas condições económicas. A moralidade, neste sentido, foi secundária. A possibilidade ou legalidade do divórcio acompanha esta evolução nos passos lentos da emancipação da mulher relativamente ao patriarcado.
domingo, 24 de dezembro de 2023
AFORISMOS
quinta-feira, 23 de novembro de 2023
A figueira-poema
A figueira
Senta-te aqui, eu conto, à minha beira:
A vila fica no alto do monte.
Uma estrada que escorre em ladeira
Levava ao vale, a uma fonte.
A cobri-la uma velha vide oferecia,
No verão, cachos de uva gorda e mel
Que para as abelhas era ambrosia
E estas para o abelharuco um carrocel.
Pois, digo eu, ao pé do poço
Vivia há muito uma figueira, um mosteiro
Paracia-me ela a mim, menino e moço,
Um labritinto de grutas, mágico veleiro.
Por baixo me deitava, regalado e sonhador
Nas tardes ardentes da foz do Côa,
O paraíso era ali, e apenas naqueles instantes de amor,
Como o melro que encanta , sedutor, e depois voa.
Na igreja da vila a catequista abançoava a perfeição
Do mundo, que só um ser no céu poderia haver criado.
E nós, anjinhos, escutavamos com atenção
Pedindo que o inferno não nos nos houvesse calhado.
Ó Lucrécio, “Da natureza das Coisas”, li-te demasiado tarde!
Tantos horrores e sonhos maus pode-se-iam ter evitado!
A verdade estava ali, naquela figueira à mesma vez
Modesta e indiferente, como a maré que vai e vem,
Tal como a água e o mel que o sol fez,
Tal como o teu choro quando saíste do ventre da tua mãe!
----Nozes Pires-----17/07/2023
segunda-feira, 23 de outubro de 2023
Poema- Grito vão
Poema- O eclipse da razão
O eclipse da razão
Tu que sabes tudo, que julgas saber tudo,
Saberás porque a lua se escondeu cheia de vergonha
E o sol de setembro se apagou de repente?
Eu nunca sei o que é a verdade sobre o mundo,
E menos percebo quem sempre mente.
Mas tu mentes-me quando dizes que o aroma das rosas
É mais forte que o aroma dos cravos,
Ou quando afirmas perentória
Que as tardes de primavera
São mais bonitas que os crepúculos de setembro.
Paz no mundo? Quem me dera!
Que sabes tu sobre os olhos deslumbradas de uma criança
Quando descobre no chão uma boneca abandonada?
Eu também não vi, mas sei de ciência certa
Que pertencera a outra menina que jaz esventrada.
Sim, é como te digo. Sabes tudo e não sabes nada.
Viste por acaso a Morte a chamar-te da janela
Na casa de cartão que já se foi pelos ares?
Sempre usaste palas nos olhos
Para que de uma causa não viesse um efeito.
Imagina que a tua mãe, filha, irmã,
Caía aos teus pés com uma bala no peito!
Então a Morte abraça-te num lento estertor,
abririas a boca num grito tão fundo e tão mudo
Que até os anjos se peguntariam “porquê, meu Deus, tanta dor?”
Talvez eu tenha uma opinião sobre isso,
Mesmo que não seja tão certa como a tua.
Talvez não seja precisa muita ciência, nem feitiço.
Talvez a verdade ande por aqui, obscena e nua!
-------------NOZES PIRES-------22/10/2023
sexta-feira, 26 de maio de 2023
Crepúsculo-poema
Crepúsculo
Não me fales da morte,
Pé ante pé ela há vir
Não me fales da má sorte
Como um raio que feriu o mar!
Sou como um rumor apenas
Somos um poço e do fundo
Alguém nos chama.
Virás, ela virá?
Não lhe abras a porta
Não lhe abras sequer a janela
É só uma aragem brusca
De uma avezinha que tombou do ninho.
Fala-me dos amores (não do Amor!)
Fala-me de uma vida boa (não da Felicidade!)
Fala-me do meio dia
Quando tem mais luz a verdade!
Fala-me de ti, dela, e mais das outras,
Das aparições e das partidas
Do gozo e dos gritos
Sobre as areias das praias
Sobre a caruma dos pinhais
Sobre os esconsos dos umbrais!
Mas não me fales Dela
Que falar é já aparecer!
Fala-me de beijos antigos
E de sorrisos com lágrimas
Porque tudo que eu vivi eu sei
Das traições e dos inimigos
Porque mais fica o que amei.
Na verdade não fica nada.
À hora certa baterão à porta
E quando pareço dormir
Despeço-me à chegada!
.....Nozes Pires.....25/05/2023