sexta-feira, 26 de maio de 2023

Crepúsculo-poema

 

Crepúsculo

 

Não me fales da morte,

Pé ante pé ela há vir

Não me fales da má sorte

Como um raio que feriu o mar!

Sou como um rumor apenas

Somos um poço e do fundo

Alguém nos chama.

Virás, ela virá?

Não lhe abras a porta

Não lhe abras sequer a janela

É só uma aragem brusca

De uma avezinha que tombou do ninho.

Fala-me dos amores (não do Amor!)

Fala-me de uma vida boa (não da Felicidade!)

Fala-me do meio dia

Quando tem mais luz a verdade!

Fala-me de ti, dela, e mais das outras,

Das aparições e das partidas

Do gozo e dos gritos

Sobre as areias das praias

Sobre a caruma dos pinhais

Sobre os esconsos dos umbrais!

 

Mas não me fales Dela

Que falar é já aparecer!

 

Fala-me de beijos antigos

E de sorrisos com lágrimas

Porque tudo que eu vivi eu sei

Das traições e dos inimigos

Porque mais fica o que amei.

 

Na verdade não fica nada.

À hora certa baterão à porta

E quando pareço dormir

Despeço-me à chegada!

 

.....Nozes Pires.....25/05/2023

 

 

terça-feira, 23 de maio de 2023

Azul Inventário das cores

 

INVENTÁRIO DAS CORES - AZUL

 

Vejo-te anúncio das madrugadas,Tímido clarão mal desperto,Tu, azul das desfiladas,

 De mouros e cruzados em correrias, De ódios mortais, renovados, poetas De alaúdes desfeitos aos pés. Tu, azul das torres e dos muros Desfeitos, e outra vez refeitos, Nos sorrisos cínicos dos políticos

Com a mão direita no bolso esquerdo. Tu, azul das rosas artificiais Que largam aromas de plástico,

Nos corredores empestados dos palácios.

 Azul das minhas memórias recuperadas Naqueles olhos azuis que foram cais Onde fiquei a ver-te partir, Pedaço de céu sob seara madura desfraldada ao vento. Pedra preciosa caída no mar sem engano

Nem perfídia, só a vida, certa e definida.

 Azul, quero o azul do manto sobre o colo e o vestido vermelho da Madonna, de Rafael, os olhares de ambos, mãe e filho, Olhando não se sabe para onde nem porquê, talvez acolá estivesse o próprio Rafael, a doçura dos olhos daquela mulher belíssima, tranquila mas sem alegria, confiante porém a boca demasiado cerrada, sem surpresa e sem riso

 

 Ficheiro:Raffaello Madonna Cowper.jpg – Wikipédia, a ...

 

  Quero o azul do mar de Sofia, na voz de Maria Bethânia

 

Poema Azul

 

O mar beijando a areia

O céu e a lua cheia

Que cai no mar

Que abraça a areia

Que mostra o céu

E a lua cheia

Que prateia os cabelos do meu bem

Que olha o mar beijando a areia

E uma estrelinha solta no céu

Que cai no mar

Que abraça a areia

Que mostra o céu e a lua cheia

Um beijo meu

...........................................................................................................

Queria que o azul descesse num repente Quando meus olhos se fechassem sem um adeus aos navios que partiram do cais E largaram sem um lenço azul  ao vento, sem mim, sem ti, sem nós,

As palavras que ficaram presas no redil por dizer, os sorrisos por sorrir, os dentes nos teus dentes a rir

Das manhas do mundo, das perfídias da terra, das veias abertas,

Queria que fosse azul o amanhecer dos dias como foi aquele dia que choveu cravos vermelhos

Lembras-te?

Eu sei, eu sei, que não há dia sem noites, que a escadaria é íngreme e já me abandonam as forças

E o mundo está a mudar e não sei para onde, só sei que o espaço entre as estrelas é vazio e gelado. Mas isso fica longe! Aqui mais perto o que quero é o azul das tardes de setembro, daquela manhã sonora de Abril!

 

     Nozes Pires

     6/04/2022

 

 

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Amarelo-Inventário das cores

 

Inventário das cores- Amarelo -3

 

Descobriu que gostava definitivamente do amarelo no dia em que viu, com olhos de ver, as planícies trigueiras do Alentejo. Foi no ano em que leu Seara de Vento, de Manuel da Fonseca, nos idos de 1967 do século passado. Tinha ido ver e depois ajudar as gentes nas terríveis inundações que devastaram os bairros-de-lata, as favelas lusitanas, uma tremenda tragédia, já não bastava a guerra, cujo peso caiu todo como sempre sobre os pobres, as enormes massas de força de trabalho sobre explorada nas fábricas, era no tempo a quem os donos da nação só permitiam um minuto de expressão para desejarem por um guião idêntico e cronometrado “Feliz Natal e muitas prosperidades!”.

  Portanto, não sabe ainda se o amarelo veio do livro do grande escritor, ou da visão em grande plano cinematográfico da planície. Amarelos assim só Van Gogh ou, à nossa medida, um Armando Alves. 

  Nascera em Évora. Aluno do Liceu declamara José Régio nas festas escolares. Despertara plateias juvenis com o Não Vou Por Aí!, sem entender o que realmente Régio quis transmitir de pessoal. O que fazia vibrar com facilidade as juventudes dessa época era fosse o que fosse, desde que parecesse um ato de recusa e rebeldia. O inconformismo lavrava, o vermelho era proibido e por isso desejado, e o amarelo latejava de subversão, pelo menos potencial, no Cante alentejano, nas ceifeiras que se dobravam sobre o trigo loiro mas não se vergavam.

  Clara e Clarice eram duas irmãs. Não eram gémeas, nem sequer parecidas. Clara era mais velha dez anos pelo menos que a irmã. A mãe enviuvara e voltara a casar. Eram meias-irmãs. Clara, continuando, era de pele morena, de estatura média, olhos cor de amêndoa, boca perfeita de lábios carnudos, nariz ligeiramente aquilino, corpo ágil, dançarino, inteligência emocional. Clarice era alta, muito esguia quase desengonçada, pele muito branca, olhos azuis, cabelo cor de trigo maduro, e era a mais calma das criaturas que eu conhecera, observadora inteligente sem ponta de sarcasmo, quase sem sentido de humor. Clara sofria de ataques de pânico, provavelmente uma psicose. Clarice, de uma doença nos ossos que ia agravando-se rapidamente. Não recordo com certeza absoluta das idades respetivas, mas fazendo as minhas contas, Clara estaria pelos trinta quando a conheci e Clarice, pelos 19 ou vinte.Eu, sem ser idoso, era então imensamente mais velho que elas.

  Clara, com alma de artista, dançava primorosamente. Clarice, tal não poderia realizar e, talvez por isso, mostrava forte inclinação para vir a ensinar meninos e seguiu para o curso de formação de professores. Clarice não dançava, pois, nem jamais poderia dançar. Não as conheci em crianças, apenas suponho (e as confidências delas sustentavam a suposição) que a mais nova invejaria o jeito dançarino da irmã e juntaria ao sofrimento físico que já se manifestaria desde a primeira infância , o sofrimento da inveja.

  Clara telefonava-me com frequência, sobretudo quando era acometida pelas suas crises. E aparecia-me à porta do meu pequeno apartamento lavada em lágrimas. Assim eu servia de confessor ou pai. Era o amigo muito mais experiente que admirava e em que confiava sem reservas. Julgo que depressa entendi o enigma, o fundo remoto do seu drama : não era aquela causa dolorosa de um amante que a trocara por outra mais nova, mas um "teatro" infantil! Uma , era a causa próxima, a outra era a causa remota e mais original. Um "fantasma" que a guiava e ela não sabia!

  Porque me recordo e porque associo com o amarelo? Talvez porque toda aquela relação entre mim e Clara, entre mim e Clarice, era ao mesmo tempo luminosa e escura, apaixonada e agónica como no quadro de Van Gogh, Corvos num campo de trigo!

  Porque quando as via, uma de semblante mais sério e precocemente madura, escondendo a enorme saudade que o primeiro namorado lhe deixara, e a outra cheia de energia para desperdiçar, rindo nervosamente, esfuziante, teatral, lembrava-me do amarelo! Mistério!

   Que gostava da cor já o disse e porquê, porém associar imediatamente a cor amarela com as mulheres isso não sei explicar. Sei que ambas me excitavam como se emergissem de repente nuas do ventre do oceano! Clara permitia que eu a apalpasse (as mamas eram a minha inspiração!) mas para mais ou para baixo, não. Com Clarice invertiam-se os papéis : era ela que me apalpava para depois me conduzir para o quarto quer a irmã se encontrasse em casa. quer não. E depois decorreu o mês de Agosto, desse ano letivo, única altura em que tínhamos férias : metade desse tempo ocupámos-lo com um passeio por terras de Espanha. Sevilha, Cádis.

  Clara suscitava-me uma paixão que não me trazendo sofrimento, incutia-me intranquilidade. Estava com a irmã e pensava na outra. Incomodava-me a sensação de mentira. E incomodava-me o sentimento de frustração que a irmã me deixava. Não me manipulava, porém fazia o seu jogo sem sentir-se culpada.

  Sem lhes confessar pedi - já o fizera antes da viagem - transferência para outra escola noutra cidade (a bem dizer uma vila)! Clara deixou de me telefonar definitivamente, quando soube na escola e não por mim. Clarice também, porque era completamente dependente da irmã. O costume era eu telefonar para a Clarice e ser a irmã a telefonar-me. Gostava das duas e aquele triângulo era-me doentio. Sempre que via uma, queria a outra, numa permanente troca de personagens. O peso da psicose de uma era demasiado pesado para eu o suportar mais um ano, a decadência física da Clarice era penosa de assistir. Acobardei-me talvez. Procurei numa nova namorada uma fuga para a minha frustração. É por isso que associo o amarelo : uma seara loira e vibrante na qual ceifeiras assalariadas, mal pagas e mal nutridas, iam envelhecendo depressa.

  Vinte anos se passaram. Nenhuma notícia sobre elas me chegou. Clarice encontra-se provavelmente numa cadeira de rodas, Clara encontrou outros confessores. Aquele "Pai" fantasma que ela procurava sem saber. 

----Nozes Pires----22/05/2023

 

 

Vermelho-Inventário das cores

 

Inventário das cores-2-Vermelho

 

   Não associo o vermelho ao inferno ( infernos, pois existem no plural diferentes departamentos e instâncias para os castigos eternos, que o divino Dante encenou na Divina Comédia), essa reminiscência das grutas sombrias onde pintámos as mãos, ou da erupção vulcânica que afundou a Atlântida dos minoicos, não, não associo ao fogo do inferno, nem ao fogo que servia de justificação para as fogueiras que carbonizaram hereges reais e inventados, ou, nessa onda infernal, ao vermelho do fogo dos fornos de Auschwitz. Não é a esses fogos que associo o vermelho que quero esquecer mas não consigo, rio vermelho de sangue que escava a grande sepultura que é o Progresso.

Mas, antes, sem ser pelo contrário, ao vermelho associo os barretes frígios da Grande Revolução de 1790 e aos sapateiros que se fizeram deputados e generais, associo às bandeiras flutuando nas barricadas de 1845-46 que me arrancaram lágrimas juvenis imaginando-as nas páginas imortais de Os Miseráveis, de Victor Hugo, às mesmas  bandeiras de novo erguidas pelos communards de 1871, ao fogo dos canhões da Guarda Nacional que defendeu a primeira democracia do mundo, que veio a comover o nosso Santo Antero, o trágico, o bom, e não queria lembrar mas lembro os 20 mil communards fuzilados pela Burguesia raivosa, a mesma Burguesia que não muda nunca, governo do povo pelo povo não isso jamais!, o crítico de O capital, Karl Marx, escreveu a propósito um dos mais proféticos textos que alguma vez se escreveram e o poeta revolucionário Arthur Rimbaud, por seu lado, o tremendo poema O Barco Bêbado com um ritmo e palavras (ouçamo-lo na voz de Léo Ferré!) que ninguém assim se atrevera antes, (...)

Sim, chorar eu chorei! São mornas as Auroras!
Toda lua é cruel e todo sol, engano:
O amargo amor opiou de ócios minhas horas.
Ah! que esta quilha rompa! Ah! que me engula o oceano!

Da Europa a água que eu quero é só o charco
Negro e gelado onde, ao crepúsculo violeta,
Um menino tristonho arremesse o seu barco
trémulo como a asa de uma borboleta.

(...) “O amargo amor opiou de ócios as minhas horas”!

Ah!a Burguesia triunfante que não perdoa aos que lhe cospem na mão insidiosa e hipócrita! Porque sim, lembro as cerejas e o Tempo das Cerejas,  

Quand nous chanterons le temps des cerises

Et gai rossignol et merle moqueur

Seront tous en fête

Les belles auront la folie en tête

Et les amoureux du soleil au cœur

Quand nous chanterons le temps des cerises

Sifflera bien mieux le merle moqueur

......................................

Quando nós cantarmos o tempo de cerejas

E alegre rouxinol e tordo

Estarão todos em festa

As belas terão folia na mente

E os amantes, sol no coração

Quando nós cantarmos o tempo de cerejas

Assoviará bem melhor o tordo

 

Mas é bem curto o tempo de cerejas

Onde vamos os dois colhê-las a sonhar

Sobre os brincos

Cerejas de amor, de roupas parelhas

Tombam baixo as folhas em gotas de sangue

Mas é bem curto o tempo de cerejas

Brincos de coral que a gente colhe a sonhar

 

Quando estiveres no tempo de cerejas

Se tiveres medo das tristezas do amor

Evita as belas

Eu que não temo as penas cruéis

Eu não viverei sem sofrer um dia

Quando estiveres no tempo de cerejas

Também terás as dores do amor

 

Eu amarei sempre o tempo de cerejas

É daquele tempo que eu guardo no coração

Uma ferida aberta

E a Dama Sorte, tendo me oferecido

Não poderá jamais terminar minha dor

Eu amarei sempre o tempo de cerejas

E a lembrança que guardo no coração

......Na voz de Yves Montand (de que morte foi matada a canção francesa depois de Brel, Montand, Jane Birkin e Serge Gainsbourg, Léo Ferré?),

 

É à doçura ingénua das papoilas que quero associar, à beira dos caminhos por onde corriam meus pés de petiz no longínquo século trespassado, tão ingénuos como elas que se vergavam impúdicas ao vento penetrante das manhãs das primaveras, toda a maldade dos tirano e seus carrascos ali mesmo no ângulo das esquinas e eu não sabia, mas adiante! Que agora lembro

 

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico,
um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

 

Pensamos por associações. Também. Como as cerejas vermelhas na cesta, uma puxa a outra e outra puxa não uma cereja, mas uma ideia rubra, uma rosa de sangue, uma perda , um luto, uma paixão recusada ou um esplendor que se fina num tédio mortal.

  Naquele tempo Filipe e eu gostávamos da mesma rapariga. Do alto dos nossos doze anos (ou onze?) tínhamo-nos como grandes homens destemidos, brigávamos os dois meio a brincar só nós dois e muito a sério com a malta do bairro vizinho, sem tréguas e sem motivos, só porque sim, na estrada não alcatroada, batida,com casarões coloniais nas margens,enormes varandas replicadas,oiço-me a dizer “Que sombras esplêndidas!”, como se quisesse omitir a miséria nas traseiras,a avenida das putas. mangais e cajueiros bravos, acácias nos passeios,

   Ó rubras acácias das avenidas

   Tão acesas nas manhãs enamoradas,

   Para que cova da verdade crua,

   Vos lançaram,

Que só o vermelho ficou em mim!

 

Mas, dizia eu, a menina era só uma, e nós éramos dois, qual de nós escolher? Parecia ela matutar,ou talvez não, ambos sem escolhas, o Filipe porventura temia eu, e ela ali ao pé,na sombra da acácia, uma flor ensanguentada aos pés, morena,fruto daquela mistura em que nos tornámos multiétnicos com o racismo na algibeira e um cravo na lapela, os olhos dois carvões à espera de arderem na idade a caminho, ali nos fins das tardes eu a via, menina e moça, bem formosa,ajudava a sua mãe numa banca improvisada com galinhas gordas em cestas de juncos entrelaçados, e dúzias de ovos prateados ao sol,sem “aditivos e conservantes”. A mãe da Clotilde achava-nos graça mas não dava folgas à filha porque era auxiliar preciosa naquela espécie de exploração doméstica do trabalho infantil. O meu pai ofereceu-me por esse tempo uma bicicleta, uma máquina mais sedutora que as sereias de Ulisses, toda ela era tão vibrantemente rubra que ao desvelá-la me apeteceu levá-la pela mão como se empurravam carrinhos de madeira com um cordel na minha infância, e o sol tórrido faiscava sobre ela como um rubi, nos olhos da miúda provavelmente uma tímida chama, todo ufano eu saracoteava sobre a terra dura que os pés dos negros, às centenas, pisavam nas idas e nos regressos, olhando talvez para a minha bicicleta vermelha e pensando sabe-se lá em quê, só Clotilde sorria, o Filipe enciumava-se furioso trepando como um Tarzan ao cajueiro na outra margem, balançando-se com uma mão só, fracassada tentativa, performances dessas fazia ela e talvez melhor, o que nem ele não possuía era uma bicicleta, nem vermelha nem doutra cor...

Filipe não estudou mais que o 5º ano do liceu. Morreu-lhe uma irmão fulminado com tétano e ele ficou meio maluco. Foi para a guerra e saiu dela sem uma perna.Nunca mais o vi.Se calhar foi fazer companhia ao irmãozinho que ele adorava.

Clotilde trabalhou como costureira até morrer de parto sem assistir à independência do seu país.Dizia-se que em miúda fora violada por dois magalas, não sei, naquele tempo tudo era fácil e inculpado, bastava ser branco e soldado.A Clotilde. Nome estranho, tímido eu era tanto que não lhe perguntei porque tinha aquele e não os nomes das mulatas e dos negros comuns. Dei-lhe um primeiro beijo sem ramo de rosas.Uma flor de acácia para a mão que a admitiu. Fiquei lerdo a tremer um bom bocado de tempo, depressa a bicicleta se pôs em fuga com o dono em cima.

 Paixão foi mais tarde, testosterona a explodir enfim, denunciada em versos que lembravam demasiado Camões,que eu amara definitivamente na voz tonitruante de um professor que deve agora morar no paraíso porque era católico e era inspirador daquelas criaturas adolescentes que o seu Deus, porém, se esquecera de proteger dos sonhos nefastos, dos sonhos traídos.

 Pois eu ao vermelho associo nostalgia.

A minha.

Sempre que um povo se alevanta é o Tempo das Cerejas. Ás vezes leva muito tempo para se alevantar.Às vezes a canção se cala na boca e uma rosa vermelha incendeia o lugar do coração. É muito tempo para quem só tem uma vida para viver.Clotilde, uma vida breve, Filipe, uma vida amputada.Vinte mil a tombar lá do alto do primeiro assalto ao céu, vinte mil rosas vermelhas no lugar do coração. Muitos mil viriam levantar do chão sangrento o testemunho. São esses muitos mil que trago do lado esquerdo. Levo-os comigo para onde fui e vou. A morena Clotilde vai à frente. Leva flores da acácia no caixão.

 

 Nota: as bandeiras vermelhas nasceram em Paris em 1848 na “Primavera dos Povos”empunhadas pelos trabalhadores logo traídos, e esmagados, pela Burguesia que a eles deveu todo o triunfo que ainda hoje permanece. 

 

NOZES PIRES

Torres Vedras, 12/10/2021