segunda-feira, 22 de maio de 2023

Poema- Quando eu morrer

 

Quando eu morrer

 

Quando eu morrer quero

Que a espuma do mar se enterneça

Do nada que ficou dos dias

E que comigo ao lado me faleça

A dúvida que me fez frias

As noites, os livros, os enigmas

~

Que importam os versos e as rimas

Se de nada forem feitas?

Se não sentir senão um bocejo

E as certezas, uma a uma, não forem desfeitas?

 

Assim, quando eu morrer quero

Que um vento inesperado leve

As cinzas para as copas das figueiras

Que adocem o sangue que depressa ferve

No peito exato dos devotos

 

Eu não o sou, se acaso já fui,

Sou um leve arrepio no ar

                                      Ao anoitecer,

Um ligeiro bater de asas ao pé do rio,

Uma vontade invicta de compreender.

 

O mundo é pequeno, o futuro é muito.

Os meus netos e os bisnetos desconhecidos

Os filhos e as mães de sorrisos tristes

Amanhã hão de soltar risos contra a desgraça

                                       Que ficou para trás,

Nas ruínas, nos papéis amarelecidos,

Nos monumentos ao ódio que cairão nas praças,

Nas fossas bem tapadas para o odor não tomar

                                         Conta das almas novamente.

 

Hão de correr com gritinhos de prazer nos amplos caminhos

Ladeados de lírios e açucenas

De aves ao redor soltando

                                        Trinados e penas.

O ar será tão limpo como os lençóis brancos

A secar ao sol na minha infância (quem se lembra,

                                         O aroma do sabão no tanque?)

E as mesas serão fartas de fruta, pão e mel

O leite puríssimo nas jarras pelas manhãs gloriosas!

 

Não vos deixeis enganar, ide!

Porque hão de ser eles sempre a vencer?

Eu não sou nada, sou esta vontade

Somente esta vontade

De crer.  

 

 

 

 

 

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