Quando eu morrer
Quando eu morrer quero
Que a espuma do mar se enterneça
Do nada que ficou dos dias
E que comigo ao lado me faleça
A dúvida que me fez frias
As noites, os livros, os enigmas
~
Que importam os versos e as rimas
Se de nada forem feitas?
Se não sentir senão um bocejo
E as certezas, uma a uma, não forem desfeitas?
Assim, quando eu morrer quero
Que um vento inesperado leve
As cinzas para as copas das figueiras
Que adocem o sangue que depressa ferve
No peito exato dos devotos
Eu não o sou, se acaso já fui,
Sou um leve arrepio no ar
Ao anoitecer,
Um ligeiro bater de asas ao pé do rio,
Uma vontade invicta de compreender.
O mundo é pequeno, o futuro é muito.
Os meus netos e os bisnetos desconhecidos
Os filhos e as mães de sorrisos tristes
Amanhã hão de soltar risos contra a desgraça
Que ficou para trás,
Nas ruínas, nos papéis amarelecidos,
Nos monumentos ao ódio que cairão nas praças,
Nas fossas bem tapadas para o odor não tomar
Conta das almas novamente.
Hão de correr com gritinhos de prazer nos amplos caminhos
Ladeados de lírios e açucenas
De aves ao redor soltando
Trinados e penas.
O ar será tão limpo como os lençóis brancos
A secar ao sol na minha infância (quem se lembra,
O aroma do sabão no tanque?)
E as mesas serão fartas de fruta, pão e mel
O leite puríssimo nas jarras pelas manhãs gloriosas!
Não vos deixeis enganar, ide!
Porque hão de ser eles sempre a vencer?
Eu não sou nada, sou esta vontade
Somente esta vontade
De crer.
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