segunda-feira, 22 de maio de 2023

Poema- Crianças

 

CRIANÇAS

 

Anda, vai,

Criança!

O céu chove

O gato esconde-se

Corre, foge!

Era o ano 2014 

e mais oito anos decorreram assim:

se brincavas na rua

a morte chegava em fogo e estampido,

Os estilhaços no peito,

A pequenita agora jaz

No parapeito!

Curta vida, fugaz alegria,

Os teus companheiros para onde foram?

 Vai! Corre! Depressa!

A tua mãe ali sucumbe, abraça-a!

Morre,

Um milagre que um Deus faça!

Estão todos ali enterrados os teus companheiros,

Naquele grande cemitério

Reservado exclusivamente para crianças

Dombass, Lugansky,

Oito anos, todos os anos

Morrias,

Tu, ele, eles,

O cemitério ali tão perto!

Explosões, calor ardente,

Jardins desfolhados

Porquê?Porquê?

Porque ontem, porque hoje

Interrogas

Explicam-te, porém tu é que sabes,

Os grandes não sabem nada,

Não sabem que no teu baloiço

Voavas até às nuvens

Até à Ilha do Tesouro

Aos ombros dos Três Mosqueteiros

Num veleiro do mar revolto

Num raio de sol na primavera

Num charco no meio do caminho.

E agora, ontem, hoje, amanhã,

Um corvo muito negro

Chegou e disse: Vem comigo!

E morreste.

 

Morreste-nos.

Muito longe

Ao pé da minha porta

Muito longe

Ao meu lado

Subitamente o frio,

A lama, a noite, o nada,

Subitamente a interrogação

A mais triste interrogação infantil

A mais velha, a mais recente,

Ano um, anos mil,

Naquela pequena boca que não mente:

Porquê?

Porque vou morrer

Se nem a vida vivi?

Onde está o meu baloiço, a minha Ilha,

O dia em que eu nasci?

 Os grandes não sabem nada.

Não sabem que tu não não queres saber nada

De imperialismos, de funestos planos,

De negócios e ambições.

 

Tu só querias o teu baloiço

Os teus veleiros

A tua Ilha do Tesouro

As tuas papoilas nos campos de trigo.

 

E, num raio de luz ardente,

Um corvo levou-te nas asas negras

De repente!

 

- Nozes Pires-

04/06/2022

 

 

 

 

 

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