CRIANÇAS
Anda, vai,
Criança!
O céu chove
O gato esconde-se
Corre, foge!
Era o ano 2014
e mais oito anos decorreram assim:
se brincavas na rua
a morte chegava em fogo e estampido,
Os estilhaços no peito,
A pequenita agora jaz
No parapeito!
Curta vida, fugaz alegria,
Os teus companheiros para onde foram?
Vai! Corre! Depressa!
A tua mãe ali sucumbe, abraça-a!
Morre,
Um milagre que um Deus faça!
Estão todos ali enterrados os teus companheiros,
Naquele grande cemitério
Reservado exclusivamente para crianças
Dombass, Lugansky,
Oito anos, todos os anos
Morrias,
Tu, ele, eles,
O cemitério ali tão perto!
Explosões, calor ardente,
Jardins desfolhados
Porquê?Porquê?
Porque ontem, porque hoje
Interrogas
Explicam-te, porém tu é que sabes,
Os grandes não sabem nada,
Não sabem que no teu baloiço
Voavas até às nuvens
Até à Ilha do Tesouro
Aos ombros dos Três Mosqueteiros
Num veleiro do mar revolto
Num raio de sol na primavera
Num charco no meio do caminho.
E agora, ontem, hoje, amanhã,
Um corvo muito negro
Chegou e disse: Vem comigo!
E morreste.
Morreste-nos.
Muito longe
Ao pé da minha porta
Muito longe
Ao meu lado
Subitamente o frio,
A lama, a noite, o nada,
Subitamente a interrogação
A mais triste interrogação infantil
A mais velha, a mais recente,
Ano um, anos mil,
Naquela pequena boca que não mente:
Porquê?
Porque vou morrer
Se nem a vida vivi?
Onde está o meu baloiço, a minha Ilha,
O dia em que eu nasci?
Os grandes não sabem nada.
Não sabem que tu não não queres saber nada
De imperialismos, de funestos planos,
De negócios e ambições.
Tu só querias o teu baloiço
Os teus veleiros
A tua Ilha do Tesouro
As tuas papoilas nos campos de trigo.
E, num raio de luz ardente,
Um corvo levou-te nas asas negras
De repente!
- Nozes Pires-
04/06/2022
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