segunda-feira, 22 de maio de 2023

Poema- A quem suplicar?

 

 

 

 

A quem suplicar?

 

Não supliques, não te rebaixes, vê como a flor na fenda da rocha se reergue altiva, miudinha, frágil, mas altiva, ó modéstia dos pequenos seres! não voas como os anjos, tu não és senão nuvem e olhos húmidos que encaram os céus, não supliques, os surdos não escutam, fala por gestos, como beijos, como abraços, meus companheiros de lutas, não há silêncios que cubram vossos rastros!, e vós, mulheres que nas praias pelas noites sem lua acendieis fogueiras e florieis as bandeiras com sinais de lume para os homens nas janelas! “Abandono”, lembram-se?

 

  Nas altas montanhas encontremos sossego, ocupar-nos-emos de colher frutos silvestres, talvez morangos, e lenha, talvez papoilas para a mesa longa onde todos nos sentaremos, sem anjos nem demónios, o rosto lívido da lua os beirais não nos assustará, pelo contrário, será bem vinda, preságio de dias felizes, meus amores!

  Procuremos nos risos das crianças o trinado dos pássaros d’ oiro, a melodia incomparável dos rouxinóis, o murmurejar dos ribeiros, a suave brisa que acaricia as dunas suas irmãs, ó mar que banhas o meu país! Procuremos nos filhos dos nossos filhos novas manhãs gloriosas, marinheiro sobe ao mastro mais alto e vê se vês terras de Espanha, praias de Portugal!

  Verga-te apenas para a humilde esteva na sua brancura angelical, sim, são os malmequeres e os lírios roxos os reais anjos! E a inocência dos filhos dos nossos filhos! A erva-de espiga e as abróteas-da-primavera, o amarelo clarim dos limões sobre os muros dos quintais nos socalcos, nas margens do silêncio, nos vales onde pasta o gado na paz do Senhor, diz-se, escuta o que tem para contar o robrusto carvalho da montanha, amigo dos ventos, irmão das tempestades! Verga-te apenas para o bicho miúdo, talvez uma cotovia pequenina que tombou do ninho e morrerá na tua mão.

 

  A quem suplicar?

Em parte nenhuma encontrarás anjos a não ser dentro de ti se acaso fores humano. Não ser desumano é quanto basta.

  Eu vi o que vi e mais não conto.

Não és tu que olhas os lírios do campo

São eles que olham para ti!

 

.....Nozes Pires.....04//04/2023

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