segunda-feira, 22 de maio de 2023

Poema- Prisões

 

Prisões

 

Prende-me os braços mas não me prendas a voz

Prende-me com laços mas não me prendas a palavra

Eu sou como Ulisses amarrado ao mastro do navio e assim se salvou

Porém, ouviu as sereias e achou que não mais escutaria cantos tão belos.

Assim recordo a tua voz e  as montanhas ao entardecer, lá ao longe os uivos dos lobos,

Aqui ao pé o riso do riacho ladino, o coaxar das rãs, não sabes nem eu sei,

Tão fugaz como o instante de solidão absoluta é o tempo da pura alegria,

Vejo nos teus olhos o espanto pelo mundo que vês, seco e sombrio como o mundo subterrâneo

Onde pairam as silhuetas que se esqueceram de quem foram para nunca mais.

No entanto queiras ou não enganas-te : nem todos os rios correm para o mar,

Nem todas as pombas são brancas, nem todas as rosas são rosas, nem todos os navios são barcos,

Nem todos os começos têm um caminho e os caminhos um sentido só.

 

Não me prendas a voz porque é o mumúrio das águas quem fala,

É o vento brando no crepúsculos de setembro,

O trinado dos pintassilgos nos salgueirais nas auroras primaveris.

 

Não me prendas a palavra com ela nos seguramos uns aos outros, com ela nos matamos uns aos outros, com ela mentimos e simulamos, e mesmo assim não me prendas a palavra.

Ainda que o solo seja areia ou barro,

É o meu chão que a minha voz lavra.

 

...........Nozes Pires------27/02/2023

 

 

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário