Prisões
Prende-me os braços mas não me prendas a voz
Prende-me com laços mas não me prendas a palavra
Eu sou como Ulisses amarrado ao mastro do navio e assim se salvou
Porém, ouviu as sereias e achou que não mais escutaria cantos tão belos.
Assim recordo a tua voz e as montanhas ao entardecer, lá ao longe os uivos dos lobos,
Aqui ao pé o riso do riacho ladino, o coaxar das rãs, não sabes nem eu sei,
Tão fugaz como o instante de solidão absoluta é o tempo da pura alegria,
Vejo nos teus olhos o espanto pelo mundo que vês, seco e sombrio como o mundo subterrâneo
Onde pairam as silhuetas que se esqueceram de quem foram para nunca mais.
No entanto queiras ou não enganas-te : nem todos os rios correm para o mar,
Nem todas as pombas são brancas, nem todas as rosas são rosas, nem todos os navios são barcos,
Nem todos os começos têm um caminho e os caminhos um sentido só.
Não me prendas a voz porque é o mumúrio das águas quem fala,
É o vento brando no crepúsculos de setembro,
O trinado dos pintassilgos nos salgueirais nas auroras primaveris.
Não me prendas a palavra com ela nos seguramos uns aos outros, com ela nos matamos uns aos outros, com ela mentimos e simulamos, e mesmo assim não me prendas a palavra.
Ainda que o solo seja areia ou barro,
É o meu chão que a minha voz lavra.
...........Nozes Pires------27/02/2023
Sem comentários:
Enviar um comentário