Páscoa
Dizemos palavras para esconder aquelas que não dizemos.
Abre-te primavera, na tua glória antiquíssima!
E vem recordar a música das palavras que a rotina silenciou
Quando adultos as guardámos no armário ao pé das pratas,
Da louça de porcelana, como as velhas tias que assim procediam:
Não diziam certas palavras, mas escondiam-nas onde todos as vissem,
Discretamente, para que todo o amor censurado se assemelhasse à prata polida.
É por isso e por outras razões íntimas que ainda me espanta estar vivo.
Sem asas nos olhos olhávamos os pássaros nos beirais a recompor os ninhos
E foi assim que aprendi o significado da palavra “Primavera”.
“Páscoa” foi noutra ocasião se bem me lembro.
Amanhã estará porventura escuro como um eclipse
Mas hoje não. Hoje a luz sobe aos teus olhos ausentes como nos retratos de Modigliani
E volta de novo a placidez do banco do jardim onde ficávamos horas esquecidas
Confiantes que a nossa vida seria assim, translúcida, voo de pássaro, serenidade de barco esquecido na praia.
Voltaremos a sentar-nos todos, a minha mãe, o meu pai, os meus irmãos,
E o tempo ficará retido na toalha alvíssima de linho,
Na comida modesta com que celebraremos a páscoa, ó coração
Não pares agora! É tão doce este crepúsculo!
Tudo que se estragou será recuperado, toda a palavra será justa,
Todo o gesto será perfeito.
O barquinho de pau que me construiste, meu irmão,
Guardo-o ainda no meu peito. Porque partiste tão cedo?
Vem minha mãe, sem aquele teu olhar triste,
Aconchegar-me à noite a roupa no meu leito!
Sobre a toalha alvíssima de linho
pão e vinho,
E chega suavíssimo o sol-pôr
Trazer na páscoa a palavra justa : amor!
...........Nozes Pires-------08/04/2023
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