quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

 

Escrever no vento

 

Pensais que a dor que digo

É só a minha dor?

Se assim me julgais

Então essas palavras não alcançam poesia.

Ao confessionário não vou

Por razão e rebeldia.

 

Órfã é a Palavra

Deitada à areia húmida da praia.

 

A dor que sinto

Quando deveras a sinto

Não é por egoísmo que me distráia

Nem musa por quem minto.

É a minha dor, sim,

a dor das dores dos demais :

Dos famintos da Terra,

Dos espoliados do que era seu,

Dos humildes ninguéns mais banais,

Dos inocentos que morrem cedo.

É por eles que na esperança da justiça

Me interrogo e retrocedo.

 

Para o perfume das rosas temos palavras fúteis,

compramo-lo em frasquinhos elegantes.

Fotografias para aquele dia

Que entre si trocam os amantes.

À velocidade da luz dizemos

“Como te quero tanto!”

E é bom e belo que seja verdade

E que o amor perdure no dia seguinte.

E que a vida seja saudade.

 

Inumeráveis inocentes sofrem

Que importa?

Do sofá vemos filhos desesperados

Em busca das mães sob o lar bombardeado,

E logo nos erguemos alvoroçados

Não vá na cozinha se esturrar o cozinhado!

 

Não sei quantos, porém somos em demasia

(ainda que eu não o seja!)

Aqueles que esperam sentados

O messias que não procria!

 

Hão de tê-lo, ó confiantes indignados!

Saindo a cavalo do nevoeiro!

E nesse dia funesto dos alienados

Saberemos quanto pode o dinheiro!

De quanta dor é capaz,

de quanto desprezo sem medida

Pelos que morrem cedo sob as bombas

Ou chafurdam no lixo por comida!

Saberemos que já é e foi e voltará a ser

O tempo das sombras

Das palavras escondidas

Dos gestos contidos

Das imagens proibidas!

 

Por isso, porque vi,

Não é só minha a dor que sinto,

É aquilo que vivi

E que não sei dizer, mas pressinto!

 ..........Nozes Pires.......07/12/2023

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário