Escrever no vento
Pensais que a dor que digo
É só a minha dor?
Se assim me julgais
Então essas palavras não alcançam poesia.
Ao confessionário não vou
Por razão e rebeldia.
Órfã é a Palavra
Deitada à areia húmida da praia.
A dor que sinto
Quando deveras a sinto
Não é por egoísmo que me distráia
Nem musa por quem minto.
É a minha dor, sim,
a dor das dores dos demais :
Dos famintos da Terra,
Dos espoliados do que era seu,
Dos humildes ninguéns mais banais,
Dos inocentos que morrem cedo.
É por eles que na esperança da justiça
Me interrogo e retrocedo.
Para o perfume das rosas temos palavras fúteis,
compramo-lo em frasquinhos elegantes.
Fotografias para aquele dia
Que entre si trocam os amantes.
À velocidade da luz dizemos
“Como te quero tanto!”
E é bom e belo que seja verdade
E que o amor perdure no dia seguinte.
E que a vida seja saudade.
Inumeráveis inocentes sofrem
Que importa?
Do sofá vemos filhos desesperados
Em busca das mães sob o lar bombardeado,
E logo nos erguemos alvoroçados
Não vá na cozinha se esturrar o cozinhado!
Não sei quantos, porém somos em demasia
(ainda que eu não o seja!)
Aqueles que esperam sentados
O messias que não procria!
Hão de tê-lo, ó confiantes indignados!
Saindo a cavalo do nevoeiro!
E nesse dia funesto dos alienados
Saberemos quanto pode o dinheiro!
De quanta dor é capaz,
de quanto desprezo sem medida
Pelos que morrem cedo sob as bombas
Ou chafurdam no lixo por comida!
Saberemos que já é e foi e voltará a ser
O tempo das sombras
Das palavras escondidas
Dos gestos contidos
Das imagens proibidas!
Por isso, porque vi,
Não é só minha a dor que sinto,
É aquilo que vivi
E que não sei dizer, mas pressinto!
..........Nozes Pires.......07/12/2023
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