quinta-feira, 7 de maio de 2020

Conto- A cabeça perdida


 A CABEÇA PERDIDA DO IMPERADOR

   Era uma vez um reino muito poderoso. Esse reino tinha um imperador muito mau. É normal que tal suceda quando a nomeação é dinástica ou quando as eleições são controladas pelos requisitos da fama e do dinheiro. Aquele imperador, portanto, não só era mau como era estúpido. Ninguém se admirou que certa manhã, nefasta para ele, tivesse despertado sem cabeça. Literalmente perdera a cabeça. Berrou, uivou, ameaçou meio mundo que iria destruir tudo e todos se não lhe trouxessem depressa a sua rica cabeça e a sua farta cabeleira. Os acólitos e a criadagem, os guarda-costas e os espiões, os generais e os bispos, os biógrafos de serviço e os fantoches governadores dos reinos dependentes, correram em todas as direções em busca da cabeça do imperador. Foi encontrada sim, mas por um mandarim que odiava o imperador: ao passar ao pé de uns saltimbancos que apresentavam um espetáculo de rua para um punhado de aldeãos esfarrapados e descalços, um ator improvisava uma cena patética com uma cabeça em tudo semelhante à do imperador. Interrogado pelo mandarim, a troco de uma bolsa de moedas, confessou que a roubara de uma caravana de mercadores que se dirigiam sabe-se lá para onde. O mandarim deixou-o em paz, porém avisou-o que era mais seguro para ele desfazer-se daquela cabeça pois podia a todo o momento perder a dele.
Incapazes de encontrar a cabeça verdadeira os agentes do imperador esforçaram-se por substitui-la, não fosse o reino entrar em convulsão. Deste modo, apresentaram-se-lhe com várias cabeças à experiência: de um cavalo, de um touro, de um bode, de um burro e de um camelo. Não se admire o leitor: naquele tempo estes animais eram sagrados. Contudo, não apaziguavam a vaidade do imperador que desejava ser adorado, sim, mas também temido. E foi assim que preferiu a cabeça de um crocodilo.
Ficou nos anais dos escribas com o cognome grandiloquente de “Rei Crocodilo”. Quando, porém, se mostrava ao povo das alturas da sua tribuna de oiro, o povo fugia aterrorizado pois tomava a sério aquilo que realmente via: um crocodilo.
NOZES PIRES

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