quinta-feira, 7 de maio de 2020

Conto- O homem grande


O homem grande

 Há muito tempo num reino distante umas boas léguas deste lugar onde narro esta história, contada pelo meu avô a quem por sua vez fora contada pelo avô dele, existiu um parlamentar que de tudo e a todos dizia a todo o momento “Isto é uma vergonha!”, quer viesse ou não a propósito. Havia quem entendesse muito bem a que é que o político se referia e quem não entendesse patavina; entre os que o entendiam havia quem simpatizasse e havia, naturalmente, quem antipatizasse com o dito e o cujo. Assim corriam as modas sem sobressaltos de maior.
  Até que o parlamentar, ambicioso,  decidiu consultar um grande feiticeiro (naqueles tempos longínquos ainda os feitiços não eram considerados artes do demónio e ainda não se usavam os churrascos públicos) para, a troco de um avultado pagamento em ouro, transformar o seu destino, ventura , o seu fado enfim (ou fatum, como se dizia em latim). A razão era simples: o homem achava-se destinado a liderar grandes acontecimentos que acabariam com as “poucas vergonhas”.
  Quem o recebeu, porém, no antro secreto do feiticeiro, não foi este, mas o aprendiz. O patrão andava por terras da Sardenha ou Sicília, não se sabe é claro, e o aprendiz ficara encarregado somente das limpezas. Contudo, o aprendiz era um pouco tolo e não quis deixar passar a oportunidade de realizar um feitiço, sobretudo sob o brilho ofuscante de uma dúzia de moedas de ouro.
«Então deseja vir a ser grande?», questionou, fingindo (ridiculamente) aquela atitude que Goethe celebraria na figura de Mefistófeles (é claro que o aprendiz nem ler sabia). «Sim! Muito grande!», retorquiu o político com ênfase, julgando falar com o grande feiticeiro.
O aprendiz assim fez. Servindo-se de uma mistela, preparada pelo patrão de entre os frascos da drogaria caseira, deu-a a beber ao freguês.
O aprendiz, que não percebia nada de política e desses projetos de governo, julgou que o político queria ser “alto” e foi buscar a droga para tornar um anão em um gigantone. Porém, como não sabia ler, enganou-se no frasco. O político numa semana diminuiu uns centímetros, num mês diminuiu um metro e em três meses ficou reduzido ao tamanho modesto de um piolho ou, se preferirem, a uma inofensiva formiguita.
Enquanto diminuía de tamanho o parlamentar não se calava nunca: «Basta de Poucas vergonhas!», «Isto é uma vergonha!» e, pouco a pouco, só se escutava a ele mesmo. Até que, num dia desaventurado, não se escutou nem foi visto mais.
Nozes Pires


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