O homem grande
Há muito tempo num
reino distante umas boas léguas deste lugar onde narro esta história, contada
pelo meu avô a quem por sua vez fora contada pelo avô dele, existiu um
parlamentar que de tudo e a todos dizia a todo o momento “Isto é uma
vergonha!”, quer viesse ou não a propósito. Havia quem entendesse muito bem a
que é que o político se referia e quem não entendesse patavina; entre os que o
entendiam havia quem simpatizasse e havia, naturalmente, quem antipatizasse com
o dito e o cujo. Assim corriam as modas sem sobressaltos de maior.
Até que o
parlamentar, ambicioso, decidiu
consultar um grande feiticeiro (naqueles tempos longínquos ainda os feitiços
não eram considerados artes do demónio e ainda não se usavam os churrascos
públicos) para, a troco de um avultado pagamento em ouro, transformar o seu
destino, ventura , o seu fado enfim (ou
fatum, como se dizia em latim). A razão era simples: o homem achava-se
destinado a liderar grandes acontecimentos que acabariam com as “poucas
vergonhas”.
Quem o recebeu,
porém, no antro secreto do feiticeiro, não foi este, mas o aprendiz. O patrão
andava por terras da Sardenha ou Sicília, não se sabe é claro, e o aprendiz
ficara encarregado somente das limpezas. Contudo, o aprendiz era um pouco tolo
e não quis deixar passar a oportunidade de realizar um feitiço, sobretudo sob o
brilho ofuscante de uma dúzia de moedas de ouro.
«Então deseja vir a ser grande?», questionou, fingindo (ridiculamente)
aquela atitude que Goethe celebraria na figura de Mefistófeles (é claro que o
aprendiz nem ler sabia). «Sim! Muito grande!», retorquiu o político com ênfase,
julgando falar com o grande feiticeiro.
O aprendiz assim fez. Servindo-se de uma mistela, preparada
pelo patrão de entre os frascos da drogaria caseira, deu-a a beber ao freguês.
O aprendiz, que não percebia nada de política e desses
projetos de governo, julgou que o político queria ser “alto” e foi buscar a
droga para tornar um anão em um gigantone. Porém, como não sabia ler,
enganou-se no frasco. O político numa semana diminuiu uns centímetros, num mês
diminuiu um metro e em três meses ficou reduzido ao tamanho modesto de um
piolho ou, se preferirem, a uma inofensiva formiguita.
Enquanto diminuía de tamanho o parlamentar não se calava
nunca: «Basta de Poucas vergonhas!», «Isto é uma vergonha!» e, pouco a pouco,
só se escutava a ele mesmo. Até que, num dia desaventurado, não se escutou nem
foi visto mais.
Nozes Pires
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